Essa história de “a gente só dá valor quando perde” é pura balela. Roteiro enfadonho dos piores contos da carochinha que vêm se desenrolando (ou enrolando) ao longo de diversas narrativas. Mentira descarada que a gente conta pra si e para o outro, para tentar mascarar um desassossego e uma carência nossa. A gente sempre sabe o que quer. Pode jogar nas cartas, búzios, cara ou coroa, uni-duni-tê, que no fim, enquanto a moeda está lá no alto, a carta está prestes a sair da manga e o dedo está pronto para apontar o destino final, a gente inconscientemente deseja que a sorte atue em cima de um único fator comum: nosso desejo. Então sim, a gente sabe o que quer, o que tem e aquilo que possivelmente pode perder. O que acontece é um desafio bobo desses que a gente joga vontades para o universo e espera receber flores de volta na hora do nosso bel prazer. A vida é um círculo tão inconstante quanto a natureza humana. Aquilo que vai, nem sempre volta. E se o bumerangue da vida resolver funcionar, pode não ter mais a mesma cor, a mesma textura, o mesmo sabor daquilo que antes era um amor maduro e suculento recém-colhido do pé.
A gente não dá valor quando perde. O danado do ego é que decide fazer pirraça a plenos pulmões quando uma das nossas vontades encontra uma travessia mais agradável para prosseguir. Muitas vezes a única coisa real na história toda é o subconsciente contrariado da gente. Aquilo que se julga interesse, não passa de apego a um punhado de sentimento bagunçado que simplesmente não se encaixa no nosso caminho. Mania feia essa do ser humano de achar que detém pessoas, sentimentos, decisões. Tudo na vida são escolhas. Ser, estar, permanecer, partir, retornar. Livre arbítrio nosso e do outro também. Fica quem encontrou colo, aconchego, paz, morada na vivência do outro. Prossegue quem foi de alguma forma negligenciado, seja pelo descompromisso com a relação e o sentimento do parceiro, seja pela falta de prioridades daquilo que por muito tempo foi tratado como opção. Simples seria se cada um conseguisse lidar com as consequências dos próprios atos sem chorar o ego derramado. Até porque “dar valor” não tem absolutamente nada a ver com lágrimas de crocodilo e ligações arrependidas três dias depois de descobrir que o outro está leve, feliz, sorridente e pasmem, navegando muito bem sem você.
O problema do arrependimento é que em grande parte das vezes ele vem com um gosto amargo de incoerência e decepção. Difícil distinguir quando o remorso é legítimo ou apenas uma manifestação do nosso ego dizendo que alguma coisa saiu do nosso controle. Em grande parte das vezes, é essa dificuldade de aceitação da perda que gera sofrimentos superficiais depois. O fato é que ocorreu um descompasso de caminhos e um dos sentimentos acabou avariado. O resultado: partidas. Segundas, terceiras e milésimas chances sempre são bem-vindas quando se conhece a estrada de volta e, claro, quando existe uma trajetória aconchegante para retornar. Contudo, se os capítulos desse livro foram recheados de descaso e indiferença, a perda é inevitável e, acredite, angústia e saudade não serão motivos suficientes para resgatar uma relação naufragada.
Na teoria é tudo muito fácil. Nunca precisei perder o ar para entender a importância vital dele, porque seria diferente com pessoas?! A gente quer, a gente gosta, a gente cuida. Fim. Sem ficar cobiçando a grama do vizinho que, confiem, não é melhor que a nossa. Sem ficar almejando um relacionamento fantasioso, perfeito e surreal. Sem fechar os olhos para a realidade dos sonhos que só fica “magicamente” clara quando deixa de fazer parte da nossa travessia. Cuidar, querer bem e apreciar a presença do outro enquanto ele ainda faz parte da nossa andança. Antes e depois de tudo: saber o que quer. Ter certeza do caminho, da escolha, do que se espera de um relacionamento pra saber quando encontrar, ou melhor ainda, para ter certeza daquilo que pode ser perdido. Aprender a valorizar cada indício de reciprocidade daquele que a gente escolheu para dividir um pedacinho da nossa vida é motivo suficiente para que, em caso de desvio de rota, ele saiba para onde voltar.
Casa limpa, bem arrumada, com cheiro de broa de fubá e café quentinho é demasiadamente convidativa à permanência. Diferente de um telefonema arrependido às 4 da tarde de um domingo qualquer.
Por Danielle Daian
http://www.casalsemvergonha.com.br/2014/02/18/a-gente-so-da-valor-quando-perde-entenda-porque-isso-e-uma-mentira/
Texto perfeito! É bem isso mesmo.
Andreh Carvalho
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